The Displeasing Displacement – Parte III de VI

- Lou? Lou-lousita? – uma voz gentil e vigorosa a chamava. Uma mão passava pelos seus cabelos, tentando tirá-los dos olhos da garota. Ela abriu os olhos com a rapidez de um bibliotecário fazendo uma cirurgia plástica, e virou o rosto com a precisão do mesmo.
- Ãhn? – Na sua frente só conseguia identificar borrões se mexendo, que depois sumiam ou mesclavam-se a outros borrões maiores e coloridos.
- Acorda, Branca de Neve. – o tutor estava tentando acordá-la fazia quase quinze minutos e ainda estava com paciência. Louise acabou deduzindo que já estavam na estação. Não, não era a de Harmônia, definitivamente. Já tinham saído da cidade fazia um longo tempo; tanto tempo que tiveram que dormir na estrada. Pegaram uma balsa no meio da manhã do dia seguinte. A garota também já calculava que havia se passado ainda mais algumas longas horas, afinal, tinha tirado bem umas três ou quatro sonecas depois disso. Sentiu uma leve dormência no lado direito do rosto. Não poderia haver hora melhor para ela levantar a cabeça; a porta se abriu de súbito. – VAAAMOS! – o homem agora gritava animado, sorrindo largamente. Ela nem reparara que o tio estava lá, nem como foi parar do outro lado do carro tão rápido. Esfregou os olhos, e os borrões se tornaram corpos de pessoas. Na sua frente, suas malas, que François havia – novamente – feito a nobreza de pegar para ela.
- E então... É aqui. – Louise havia se levantado da poltrona do carro ainda meio cambaleante, mas dizia com plena certeza que sabia que ali era o local.
- Sim, é aqui que você vai embarcar!
- Não, tio François; digo, é aqui que a gente se despede.
- Ahh... Também... – disse pensativamente, indo ao encontro dos olhos verdes e cinzas da menina com um sorriso abatido. Começaria um discurso, mas conhecia Louise o suficiente para saber que ela não precisava dessas coisas, muito menos de sentimentalidades. Ficaram encarando-se por alguns segundos, a menina hesitou, contudo, não proferiu palavra.
Louise estava um pouco inquieta por dentro. Até agora a ficha de que não veria sua família por um bom tempo não caíra. E esperava que continuasse assim. Não era boa em despedidas, nunca sabia o que dizer; preferia não dizer nada, com medo de dizer pouco demais e parecer grossa ou sem emoções. Na maioria das vezes, não se importava de verdade. Isso só a incomodava quando precisava dizer algo para alguém relevante. Mas François a entendia, pois quando a menina abria a boca pela segunda vez, ele somente se aproximou e a abraçou, acalmando-a de qualquer empenho para falar algo.
- Está tudo bem, Valerie. – Ela sabia que estava. Só que a voz do homem parecia a reconfortar, simplesmente. Continuou parada como uma estátua de gelo, os lábios mudos e os braços inertes em direção ao chão, sem abraçá-lo. Apoiada no peito do homem, seu rosto estava voltado para um dos lados. Não olhava para ele, nem se mexia. Não sabia se sua aflição era suficiente. Não queria ser indiferente, não com ele. Realmente a indiferença era uma das suas melhores qualidades, mas também um de seus piores defeitos.
Por ação dos dois, se separaram. François ainda continuava com as mãos nos ombros da garota, o sorriso inabalável, por mais que Louise não soubesse que agora ele estava se esforçando para mantê-lo. Ela continuava sem dizer nada. Porém, o homem sabia que a inquietação dela e conseqüente falta de ação por não conseguir demonstrar nada eram o melhor que ele poderia pedir e o que ela poderia oferecer; o que já o colocava numa posição bastante significante. Era mais do que o suficiente para ele tentar aliviá-la, sorrindo.
- Não se meta em nenhuma confusão. Mas se for o caso, o meu limãozinho pode me chamar que eu apareço na hora de batedeira e espeto na mão, pronto para assar qualquer cabeça-de-camarão que tiver por aquelas bandas!
A bicolor soltou uma risada gostosa, aliviando toda preocupação que o tio ainda estava com ela. Ele embalou-se no ritmo daquele som descompassado que era ao mesmo tempo tão deleitoso aos ouvidos de qualquer um passante, rindo também. Era incrível como a ligação entre eles era forte. Bastava uma fala do tio para as feições de Louise mudarem drasticamente para um semblante mais alegre.
- Pode deixar, tio. Prometo também que vou me alimentar bem.
- Isso é bom de se ouvir Lou, ah-ah!
- Claro, não tão bem como eu me alimento com seus quitutes estupendos e saborosos... – ela revirava os olhos, fazendo alguns gestos com os braços.
- Não precisa mentir descaradamente, menina! Seu tutor não te dá educação? – o homem sempre fora humilde em relação à sua comida, em parte por ser extremamente feia, apesar de unicamente saborosa, e em parte por nunca ter ganhado nenhum concurso sequer.
- Não me dá mesmo nenhuma educação seu moço, desculpe.
O trem já havia apitado a última chamada tinha alguns segundos, e Louise se apressava em direção ao seu vagão, enquanto François ria, divertido. Deram um último olhar de cumplicidade, que não mostrava nenhum vestígio de tristeza ou pesar. O homem fez um sinal positivo com a mão, que a garota de cabelos castanhos respondeu com uma careta. As rodas do trem já estavam se deslocando, aos poucos, até iniciarem um movimento contínuo. O olhar começou a ficar distante, e o rosto da menina embaçado atrás da janela acabada da cabine dela. Eles não acenaram ou exclamaram qualquer expressão de despedida, porém. Não disseram adeus, tchau, nem mesmo um até logo.

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