The Displeasing Displacement – Parte II de VI

Era uma manhã chuvosa de sexta-feira. Os pingos mornos batiam superficialmente nas janelas do casarão; o sol já reaparecia atrás das nuvens. Louise levantou-se sozinha, meio atrasada, pois Ludwig tinha se recusado a acordar a garota. Desceu as escadas já com a roupa da viagem, dançando e sapateando pelos degraus, cantarolando a mesma música do dia anterior que não saíra da sua cabeça.
- Boooom dia, mamutes paraplégicos! – gritou com um sorriso largo quando chegou à sala. Seus braços estavam em posições estranhas do corpo, assim como também as pernas, que faziam algum tipo de manobra extravagante típica do final de algum espetáculo. Ela claramente estava tentando fazer seu “grand finale” para o famoso sapateado-dos-degraus.
- Ah, bom dia Louise. – respondeu um tufo vermelho atrás de um livro sobre alguma coisa que não era nem sobre esquilos, nem sobre física molecular. – O que aconteceu, está feliz hoje?
- Não. – a prima falou calma e com naturalidade. Ludwig não sabia por que insistia em perguntar as coisas para ela, como se não estivesse acostumado com a possível resposta ou reação. De alguma forma ele só não sabia como se acostumar ao imprevisível, mesmo que já tenha tido tempo para isso.
- Ah, entendo... – não, ele não entendia – Mas...
- BOM DIA BRANCA DE NEVE! – berrou um senhor de idade e meio acima do peso, com seu cabelo curto bagunçado que era de um castanho um pouco mais claro que o de Louise. Saía pela porta da cozinha em direção à menina, exibindo um sorriso brilhante tão marcante que poderia ser visto por alguém do outro lado da rua, se esta pessoa tivesse óculos de raio-x para ver através da casa.
- Bom dia, tio. – respondeu ela, saindo da conversa com o primo para ir para os braços do tio, enquanto Ludwig sussurrava um “É Bela Adormecida...” sentado no sofá azul-acizentado. – Nós já vamos agora?
- Claro claro, sim sim! – Louise revirou os olhos; não entendia a necessidade da repetição, ela não era sonsa o suficiente para não entender o que ele estava dizendo. Mas tudo bem, aquele era seu tio. – Pode ir à cozinha e enfiar um pedaço de bolo goela abaixo logo, se não vamos chegar muito tarde. Só tenha cuidado para não comer um pedaço de rosca ao invés do bolo, pois eu conheci um sujeito que...
- É tão longe assim? Eu já estou perdendo a aula de hoje mesmo, não precisamos nos apressar tanto.
- Se não nos apressarmos, capaz de você perder também a de segunda! – Louise respondeu com uma careta. – Mas não precisa desse drama todo. Chegaremos a tempo se sairmos agora, e você ainda pode ir dormindo a viajem inteira Lou-lou. – disse François, consolando a garota com um afago nos cabelos dela.
- Ah, pelo menos isso. De qualquer forma, vai ser uma longa viagem...
- Vai... Mas sem drama, ah-ah! Dará tudo certo! E eu estarei com você até o momento em que embarcar no trem! – falou o homem em tom alto, esperançoso e positivo, e então Louise tentou passar a mesma positividade com sorriso amarelo.
A garota correu para a cozinha, tomando cuidado para não confundir o pedaço de bolo com o de rosca, enquanto o tutor gentilmente foi buscar suas malas. Deu um abraço e um beijo no rosto do primo, que retribuiu mesmo parecendo ficar com uma cara de dor mais forte que o de costume. Ele preferia evitar ter que abraçá-la, mas não tinha jeito; ele não veria a garota por um longo tempo.
- Se cuida, bicolor.
- Se cuida, tocha.
Ele riu, balançando a cabeça, assistindo François e Louise indo em direção ao carro.



Ouviram-se dois estalos rápidos dos cintos de segurança de ambos travando-se. A garota virou-se para o lado.
- François, e a história do seu conhecido que comeu um pedaço de rosca? – perguntou, com um leve tom de curiosidade na voz.
- Ah... Ele morreu engasgado com um pedaço de rosca que comeu muito rapidamente. – o homem faz uma cara de quem acaba de falar algo que nem ele mesmo havia entendido direito. Louise não resistiu, e soltou uma gargalhada psicótica que ecoou pelo carro inteiro. Imediatamente levou a mão à boca; os olhos ainda brilhando. – LOUISE!
- Desculpa, tio. É que é engraçado. Se eu morresse engasgada com um pedaço de rosca, viveria o resto da minha vida com saco na cabeça de tanta vergonha. Ah é, eu estaria morta. – dizia pensativa, com um sorriso torto. Começou a imaginar um fantasminha com o rosto vermelho e o pescoço inchado, a boca suja de quem acabara de comer com muita pressa, balançando os bracinhos para ver se alguém o enxergava, ainda sem acreditar que acabara de morrer de uma maneira altamente ridícula. A garota deu alguns risinhos abafados e contidos.
- Ah, Valerie... – Agora era o próprio tio quem ria. – Você é mesmo impossível.


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Prólogo (PARTE II)

“JAMES!”
O grito. Confusão, batidas. James, completamente “fora de órbita” num sofá, caiu estrondosamente no chão. Um jornal escorregou ao seu lado, derrubando folhas e mais folhas em seu colo.
Uma porta se abriu de rompante. Dois olhos azuis com tanta raiva quanto um furacão descontrolado surgiram repentinamente, perscrutando a sala até se fixarem nele como pedras incandescentes. O homem sabia que a dona dos olhos era menor que ele, muito mais fraca que ele, e que podia derrubá-la no chão em segundos.
Nada disso o deixou menos tenso quando Emily entrou de vez no apartamento, segurando algo em sua mão com tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos. Ela fechou os olhos por um longo minuto, e respirou fundo várias vezes. Estremeceu, e os abriu de novo.
James gostava da vida. E por isso que não sorriu orgulhoso diante do autocontrole dela. Sabia que ela o mataria dolorosamente se ele sorrisse.
“Emily? Que foi?”
Ela fez gestos rápidos e soltos, procurando palavras. Então balançou um papel na frente dele, a coisa que segurava.
“Que significa isso?”
Ele reconheceu o brasão no papel. Droga, sabia que devia ter contado antes. Ela o mirou com ódio, e leu em voz alta.
“A Escola Preparatória Prufrock tem a honra de aceitar a Srta. Emily entre seus estudantes” O tom dela era daquele tipo que usavam antes de apertar o botão vermelho e soltar a bomba na cabeça dos inimigos. “A lista de materiais, roupas e objetos segue em anexo”.
A loira baixou a folha e o olhou acusatoriamente. James suspirou, arrumou seu rabo de cavalo e levantou, jogando os jornais pra todo lado.
“Eu sei. Devia ter te contado”
“Contado?! Você devia ter perguntado se eu queria ir pra essa Escola Preparatória Sei-Lá-O-Quê!”
“Emily. Você precisa de estudo regular. Precisa aprender coisas importantes, se relacionar com gente da sua idade”. Ele sorriu encorajador. “Aqui, comigo, você não tem futuro algum. E, além do mais, estou indo embora...”
Ela sentiu-se estranha diante das últimas palavras dele. Ele morava em seu apartamento a um ano. O melhor ano da vida dela.
“Vai embora? Por quê?”
“Eu fiquei um ano parado aqui. Tenho que continuar minha busca”
James J. Jerkins procurava uma pessoa. Ele jamais lhe dissera quem era seu procurado, mas Emily sentia que não gostaria de ser a tal. Não que ele falasse dela com ódio, ou com rancor, ou algo parecido. Mas ele falava com tanta intensidade dessa busca, que a loirinha sabia que o moreno derrubaria uma montanha se soubesse que seu alvo estava do outro lado.
“Eu gosto de você aqui” Disse ela, baixinho. “De você me dar aulas, de queimar meu almoço”.
Ele a abraçou suavemente. Era tão quentinha a pele dele, enquanto ela era tão fria. Os cabelos loiros da garota agora estavam limpos e escovados, e desciam graciosamente até sua cintura, como ouro puro. Os olhos azuis eram tristes e reservados, mas não mais desfocados e distantes. Pequena, leve, ágil e silenciosa como um sopro, Emily era uma anja loirinha, daquele tipo que dá vontade de colocar no colo só de ver. Seus olhos azuis se encheram de lágrimas.
“Fique calma, Ems” Sorriu ele, gentilmente. “Vou te visitar lá.”
“Promete?”
“Prometo. E você vai se divertir na escola. Aprender coisas, conhecer gente legal. Arrumar um namorado”.
Ela corou. Ele riu.
“Se bem que ele vai ter de ser do tipo que gosta de peitinhos minúsculos...”
Ela bateu nele por um tempo, antes de voltar a abraçá-lo.
“E lá você poderá desenvolver suas habilidades” Disse-lhe ele, afagando seus cabelos. “Vai melhor no quê você já é boa”.
“Hum” Fez ela, corando de leve. “Melhor não”.
“Oras” Replicou ele, franzindo as sobrancelhas. “Por que não melhorar no que você faz de melhor?”
Ela lhe mostrou um objeto preto e quadrado.
“Porque o quê faço de melhor, Jamezito...”
Aquilo era a carteira dele. E bateu em seu bolso, e estava vazio.
“...é roubar”.


//Notas do Autor

Percebam que adoro escrever aqui no final. :D
A verdade verdadeira, é que o motivo pra ter todas essas notas aqui é muito chato de explicar, então eu não vou falar nada sobre isso, e enrolar aqui um pouco.
Segundo as regras do Memento, eu estou postando rápido assim pois dividi minha parte em dois pedaços. Agora eu só posto de novo quanto todo mundo tiver postado seus prólogos.
Explicando um pouco este cap. aqui em cima, já passou um ano desde a invasão do Jamezito no apartamento da Ems. Aqui temos ela recebendo a cartinha da Prep., e tudo o mais de sempre.
No próximo "capítulo" com a Ems, teremos a apresentação da Alice, Donnovan e outros coiós que vão servir de secundários nessa história.

E vejam! Essas notas-de-fim-de-capítulo minha encheram mais algumas linhas!

Sabem quando eu prometi que faria capítulos curtos? Pois é. Acreditou? Rá!

No próximo:

"A porta fechou com um clique suave, e Emily tirou o cabelo do rosto. A garota de cabelos ruivos & pretos esmurrou a porta. A loira analizou a situação. Estava presa. Estava num banheiro. Estava presa num banheiro com uma lésbica doida.
Deus, ela precisava de uma dose de alguma coisa forte."


See you there. o/

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The Displeasing Displacement – Parte I de VI

Louise estava subindo as escadas da casa, voltando do seu quarto dia de aula, quando recebera a notícia do tio. Na porta mesmo ele dissera, “Hey Valerie, amanhã você muda para uma nova escola. Vai ser uma aventura, ah-ah!”. Ela agora estava deitada na cama do seu quarto, ainda nas vestes rubras do Colégio Saint’Rénnau, que era tido como o melhor da cidade de Harmônia. Hum... Harmônia. Era uma boa cidade. Tio François sempre brincava que a harmonia de Harmônia vinha do seu perfeito equilíbrio entre o calmo e o caótico, o que era plena verdade; aquela cidade tinha de tudo um pouco, mas não era grande. Uma prima em algum grau de François, Hortência, uma estilista que de vez em quando dava as caras nas portas da casa do homem, vivia falando que Harmônia era como uma Nova York condensada. Talvez por isso fosse sua 2ª cidade favorita; o primeiro lugar, claro, era Nova York. Mas isso é uma história totalmente diferente.
- Posso entrar? – disse alguém, antecedido de uma batida na porta.
- Claro.
Um rapaz alto passou pela porta, a cabeça mais parecia com uma tocha acesa de tamanha vivacidade que tinha o tom ruivo do seu cabelo. Tinha somente um ano a mais que a garota, mas qualquer um poderia jurar de joelhos numa bacia de cacos de vidro e giletes que era muito mais velho.
- Meu pai quer saber se você está bem. Já são sete horas... – Ludwig informou-a pausadamente. Seu rosto, além da aparência doentia de sempre, apresentava certo tom pensativo e preocupado. A prima, ou quase prima, ou quase irmã, era uma das duas únicas pessoas com quem ele se importava na vida. A outra, obviamente, era seu pai, pois o resto, se não era de nenhuma importância, era de relativamente muito pouca. Agora, ele e François pareciam dividir o mesmo cuidado em relação à mudança de escola de Louise. Ela estava a tanto deitada ali, na mesma posição, que parecia estar completamente abalada e deprimida, coitada. A menina poderia até ter um treco. O jovem só tinha a precaução de não olhar muito para Louise enquanto estava preocupado com ela. Suspirou e retomou a fala, insistentemente olhando para os pés da cama. – Você... Você está chateada com o quê Louise? Não se preocupe, porque...
- Será... – interrompeu Louise, ainda pensando. O primo, ao lado da cama, se calou; ele já imaginava a conversa que se seguiria.

- Será que eu vou ficar sozinha no novo colégio, primo? E se ninguém gostar de mim? E os meus amigos daqui? E VOCÊS? – dizia a menina, com voz de choro e olhos suplicantes.
Então, Ludwig a consolaria, falaria que ela poderia voltar quando quisesse e que a família nunca está longe da gente. Ele chamaria o pai, e os três ficariam abraçados um bom tempo como uma linda família feliz. Eles chorariam um pouco, mas logo depois estariam comendo biscoitos com marshmallows perto da lareira.

- Será que eu vou ter que acordar muito cedo? – completou. Ela parecia realmente decepcionada. No caso, o primo também. Ele quase caíra para trás. Estava com vontade de enforcar a menina agora. Como ela pode deixar todo mundo preocupado com ela desse jeito? - Aiai, parece que vai acabar a vida mansa pra mim, Luddy... – ela dizia com um sorriso torto, sentando-se.
Uma verdade era que Louise nunca dera muito valor à família ou amigos. Apesar de ela de fato ter perdido os pais, não fora nenhum trauma de infância nem nada; ela simplesmente era assim. Companhia era bom realmente, o que ela reconhecia e gostava. Mas também se virava muito bem sem ela. Louise não chegava a desvalorizar totalmente as relações com as pessoas, ela só não sentia depender da ajuda, amor, piedade, ou o que quer que fosse de ninguém. Se sentia falta de alguém, não demonstrava, pois era incomum até para si mesma. Restava-lhe imaginar se na tal “Escola Preparatória Prufrock” eles acordavam cedo ou tarde, se a cama era boa...
- É, parece que sim... Mas não acho que isso se torne um grande problema para você. – a voz de Ludwig saía mais reflexiva que o normal. Ele ainda estava meio assustado com a ação da menina e irritado consigo mesmo por se preocupar com ela. Enquanto isso, ainda tentava evitar olhá-la. Era muita coisa ao mesmo tempo para sua cabeça de fogo. – Hum... Eu acho que você devia descer e comer alguma coisa agora, Lou. Depois você pode arrumar suas coisas para a viagem. Vai dar tudo certo. – concluiu o rapaz, tentando sorrir a fim de passar um pouco de aconchego para a prima que claramente não estava precisando. Ele não fazia aquilo com muita frequência, de qualquer forma. Abrir os lábios e mostrar os dentes era uma reação quase desaprendida para ele.
- Sim. – ela retribuía o sorriso fracamente – E você poderia aprender a sorrir mais, nem que seja falsamente, querido cabeça-de-fogo. Faz bem para o fígado e irrita seus inimigos. – disse fazendo um sinal positivo e saindo pela porta, enquanto cantarolava alguma melodia desconhecida e claramente descompassada. Ludwig soltou um risinho, e não precisou de esforço para fazê-lo.

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Prólogo (PARTE I)

O estrondo lamuriento e agudo dos vidros quebrando-se ecoou tristemente na noite escura. Um alarme baixo começou a apitar roucamente, abafado pelas pancadas do pêndulo do relógio gigante que espreitava na escuridão.
Um rápido se esgueirar e o vulto esbranquiçado de alguém pulou a vidraça quebrada e iniciou uma busca na penumbra, onde as prateleiras lotadas de caixinhas eram levemente iluminadas pelo neon quebrado de um outdoor sujo, no outro lado da rua.
Com destreza provinda da prática, o vulto retirou um saco médio de suas roupas e começou a derrubar algumas das caixinhas dentro dele. Poucos minutos depois uma prateleira estava vazia, e o vulto amarrava o saco.
Quando finalmente um carro patético de polícia, com um único policial sonolento encostou defronte à farmácia arrombada, o vulto já tinha se ido.


Uma canção gritada e estridente tocava num carro parado de portas abertas. Cães vadios ladravam raivosamente nas ruas, despejando seus dejetos de pouco em pouco. Uma criança faminta de olhos fundos estava encostada num poste, tragando um cigarro lentamente. Com um olhar de desprezo para tudo aquilo, o vulto assaltante vagueou até um prédio encardido de dez andares. Entrou na recepção, onde um velhote dormia com uma revista pornográfica sobre o rosto.
Em silêncio o vulto entrou no elevador, que rangeu por todo o percurso até que finalmente parou no oitavo andar, onde abriu as portas enferrujadas, e o vulto seguiu até o apartamento cuja porta tinha o número 222 pintado. A porta ao lado era a 542.
Entrou silenciosamente, andou no escuro até o quarto pequeno que ficava depois da cozinha. Acendeu a luz e se jogou na cama, dividindo o espaço com um prato sujo de molho. Colocou o saco cuidadosamente sobre as cobertas, e sentando-se de pernas cruzadas, o vulto deixou a luz iluminar seu rosto.
A pele era de um branco tão pálido que chegava a ser transparente. Cabelos louros, levemente sujos, desciam em ondas mal-cuidadas pelo corpo magro, até a cintura. Juventude se misturava à seriedade em seu rosto que podia ser gentil, mas que estava sempre isento de emoções. Distante, como se seus olhos da cor do céu ao verão não focassem esta realidade. Passaria por uma garota fria, se não parecesse tão inocente. Era quase estranho aquele seu ar de alienação.
Era uma criança, ou pelo menos deixara de sê-lo há pouco tempo. Devia ter doze anos, embora seu porte dissesse menos, e seus olhos dissessem muito mais. Parecia uma pequena anja, com os olhos eternamente postos em mundos que não podíamos ver, de triste semblante por estar presa naquele mundo, e de saudade dos tempos em que voejava livremente pelo céu anil.
Não era uma anja. Era uma assaltante. Sua face cheia de triste inocência não deve ser levada em conta. Ela roubava, não era uma criancinha pura. Que mais tal vil criatura em pele de ovelha loira podia ter feito? Talvez carregasse assassinatos nas costas, não se pode saber. Debaixo daqueles olhos azuis, seus pensamentos estavam trancados por mil barreiras.
Suas mãos trabalharam rapidamente com o saco de pilhagem. Em instantes, as dezenas de caixinhas retangulares foram colocadas sobre a cama. Ela levantou, mexeu um pouco num grande espelho encardido, e o moveu para o lado. Atrás dele, ao invés da parede amarelada, havia três prateleiras, e uma ou duas caixinhas iguais as que estavam na cama. A anjinha-demônio tomou nas mãos as caixas que roubara e completou seu “estoque”. Apanhou uma delas, colocou o espelho de volta no lugar, e o ajeitou para coincidir com as manchas e o pó que o cercavam. Teve ainda o cuidado de deixá-lo naturalmente torto para um lado.
Ela rasgou a caixinha para abri-la, e ignorou a bula. Não precisava saber quantas contra-indicações aquele remédio tinha. Só precisava da única coisa que ele fazia. Sentiu seu estômago se contorcer de ansiedade, enquanto revelava o vidro transparente, lacrado na tampa, cheio de comprimidos compridos e perolados.
Precisava desesperadamente de um deles.
O lacre era complicado. A garota sempre se atrapalhava com ele. Sabendo que não havia chance de abri-lo com as mãos nuas, deveria ir até a cozinha e apanhar uma faca. Enfiou a embalagem rasgada e a bula nos bolsos de seus jeans largos e gastos, e ajeitou a jaqueta de moletom. Avançou até a sala, totalmente escura. Ela passara direto quando entrara, mas seria bom acender a luz agora. O interruptor estalava quando era pressionado, e aquele estalido era reconfortante.
Havia um homem sentado no sofá.
O vidro em suas mãos escapou, e estourou como uma bomba ao entrar em contato com o chão. Cacos se lançaram para todos os lados, quando uma torrente de comprimidos brancos inundou o chão. A garota sentiu seu coração explodir de susto em seu peito. Fazia tanto tempo que não sentia a adrenalina do medo, o nervosismo correr por suas veias, que o choque foi dobrado. Aquela coisa que ela temia começou a se agitar, e sentiu a coisa quente subir por sua garganta.
“Noite, Emily” Disse o homem.
Ela ia se jogar no chão. Ia rastejar atrás dos remédios, até pegar um e enfiá-lo garganta abaixo. Não importava se o chão estava sujo, se os comprimidos estavam misturados com o minúsculo pó de diamante que era o vidro moído. Tudo que ela precisava era de um deles. Mas ela parou. Congelou meio curvada, pronta para cair entre os cacos de vidro atrás do remédio branco perolado.
“Quem...?”
Sua voz era rouca. Ela praticamente não a usava. Seu tom não tinha emoção, por mais medo que sentisse. Estava tão desabituada a ter emoções que simplesmente lhe eram desconhecidas, fazendo com que uma frieza fora do comum a envolvesse. Era como um bloco de gelo, simplesmente não conseguia sentir algo de verdade.
“Uma bela noite, pequena” Riu o homem, levantando. Ele carregava algo em sua mão, algo longo e negro. Era difícil de determinar o quê era, parecia um longo bastão num saco amarrotado. “Desculpe por invadir seu apartamento assim”.
“Quem é você?” Ela sabia, sabia e sabia que devia pegar um dos comprimidos. Mas seu corpo parecia congelado no lugar. O sorriso daquele homem era perigoso. Lembrava o brilho da vingança, o humor do sádico. Todo ele era estranhamente ameaçador.
Era alto, um homem ainda jovem, mas marcado. Uma barba malfeita adornava seu rosto, assim como os olhos castanhos. Os cabelos eram compridos, castanhos como os olhos. Ah, os olhos, eram sua parte mais bela e desconcertante: seu tom de mel fresco e maduro carregavam tristeza, alegria, dor, medo, força, milhares de emoções misturadas até apenas restar aquele tom perigoso, forte. Seu braço estava oculto pela comprida manga de seu sobretudo negro, todo amarrotado e remendado, e quando ele se moveu, revelou que o estranho e maltratado objeto que trazia era um velho e antiquado guarda-chuva.
“Como você entrou aqui?”
A língua pequena e macia de Emily passou levemente por seus lábios secos, roçando e umedecendo sua boca suavemente.
Droga, fazia muito tempo que ela não se sentia tão nervosa, tão desperta. Seus pensamentos corriam tão rápido que ela mal podia acompanhá-los, seus membros estavam desesperadamente soltos e leves. Sentia sua cabeça doer conforme clareava, se livrando do topor causado pelo remédio.
James sorria perigosamente. Tirou do bolso de seu sobretudo uma chave antiga, tão lascada que faltavam verdadeiros nacos.
“Eu morava aqui. Entrei pela porta da frente”.
Era um pouco óbvio. Não havia porta dos fundos. Emily se sentia ainda mais consciente, e isso a tornava mais e mais nervosa. Suas mãos já estremeciam levemente de medo do estranho. E aquela coisa subia por sua garganta, por mais que ela lutasse contra.
“Agora esse apartamento é meu” Disse ela, corajosamente. “Saia da minha casa.”
James lhe mandou um sorriso até que gentil, destoando do brilho em seus olhos.
“Oras, não precisa ser assim. Podemos dividir” Ele riu. “Eu deixo você morar comigo”.
Uma pequena veia pulsou mais forte dentro da cabeça da loira. O efeito do remédio se fora, ela estava completamente desperta. Seu organismo talvez comemorasse a liberdade da droga entorpecente, mas ela sentia o preço ser cobrado. Uma torrente rubra subiu por sua garganta, antes que ela pudesse sequer pensar em evitá-la.
“Você deixa?!”
Seu grito trouxe uma chuva de salpicos de saliva e sangue. Um filete escarlate escorreu pelo canto de seus lábios. Seus olhos tão azuis quanto o céu de verão se arregalaram.
E então, inesperadamente, ela se curvou para a frente e despejou sonoramente algo que parecia todo o conteúdo de suas veias.
James agiu rápido. A segurou quando suas pernas enfraqueceram, tirou os cabelos sujos de sangue de seu rosto, e a amparou quando ela desfaleceu em seus braços. Soltou um muxoxo.
“Se eu soubesse... Não teria irritado...” Resmungou, enquanto colocava o pequeno e delicado corpo sobre seu ombro. Um filete de sangue o acompanhou, marcado o chão por onde passavam.
James colocou a garota recostada contra os frios azulejos do pequeno banheiro. Abriu o chuveiro, e enquanto esperava a água esquentar, entrou no quarto de Emily.
A porta do guarda-roupa rangia, e faltavam alguns pedaços no espelho. Mesmo assim, todas as roupas estavam limpas, passadas e primorosamente organizadas. Ele pegou a primeira camiseta que viu, e apanhou um short qualquer. Fechou a porta, avançou uns passos. Parou. Voltou, abriu o guarda-roupa e agarrou uma calcinha e um sutiã.
Levemente ruborizado, se atrapalhou quando seu guarda-chuva bateu no espelho. O puxou com brusquidão, e toda a moldura se moveu, revelando um espaço atrás. Curioso, tirou o espelho da parede e deu de cara com algo que parecia meia farmácia.
Suspirando, ele agarrou as roupas e voltou para o banheiro. A água já estava morna, e bufadas de suave vapor flutuavam perto do teto.
O homem empilhou as roupas sobre o vaso fechado, e puxou a camiseta suja de sangue de Emily da menina. Puxou seus shorts mais sujos ainda e parou levemente. Tentou não olhar, mas era impossível. Ruborizando como um adolescente, terminou de despi-la, e a enfiou debaixo do jato de água morna.
O sangue sumiu levemente de seu corpo inerte, deixando apenas a pele branca para trás. Seus cabelos escorreram por seu colo, cobrindo seus pequeninos seios. Ele fechou o registro e a suspendeu de novo. Emily piscou levemente, a consciência a tomando aos poucos.
Sentiu quando uma toalha levemente rústica raspou seu corpo, enxugando-o. As mãos dele eram vacilantes, e desajeitadas em seu corpo, visto que ele evitava olhá-la diretamente. Não sentiu vergonha de estar nua na frente de um completo desconhecido. Ele estava se esforçando ao máximo para ajudá-la, era mesmo um tipo de ligação.
James jogou a toalha sobre seu colo, e tentou colocar a calcinha por baixo dela. Depois de uma dúzia de tentativas, Emily colocou suas mãos sobre as dele, mornas. Com delicadeza, a peça deslizou por suas pernas, ele suspirou aliviado, mas teve que ajudá-la a abotoar o sutiã, antes de se atrever a passar os olhos em seu corpo.
“Consegue levantar?” Gentil. Ele era gentil em sua voz, em seus gestos. Ela tinha visto sempre um mundo realmente ruim, mas parecia que ainda havia algo para ela. Talvez nem tudo fosse sombra.
“Não sei” Sussurrou fracamente. Sua garganta arranhava, o gosto metálico de seu próprio sangue ainda estava em sua língua.
Apoiou-se nele. Ela era tão leve, tão pequena. Quando seus olhos pousaram em James pela primeira vez, dopada pelos remédios, pareciam frios, indiferentes. Mas agora ela estava tão frágil e indefesa que era fácil, muito fácil, se encantar por ela.
Ele a colocou cuidadosamente sobre a cama. Os olhos azuis dela o focaram e James sentiu que era fácil se perder neles e em seu medo infindável e infinita tristeza. Seus lábios estavam avermelhados, mas ela nunca parecera tão bela. Nem tão desperta.
“Remédio” Murmurou. “Me... dá...”
Ele passou sua mão nos cabelos dela. Eram macios.
“Não, pequena” Ele sorriu tristemente. “Chega de se dopar, Emily”.
“Eu tenho medo”.
Os olhos dele se arregalaram, e então se tornaram serenos.
“E ele vai embora com o remédio?”
Ela hesitou. E sua cabeça lentamente se moveu de um lado para o outro. Não. Ele fez carinho em seus cabelos de novo, e isso lhe acalmou mais que qualquer comprimido.
“Uma doença raríssima” Disse ele lentamente. “Nervohemorragia. Sangrar cada vez que se descontrolar”.
Ela desviou os olhos.
“É por isso que você toma esses calmantes? Para jamais sentir emoções fortes e sangrar?”
Ela não respondeu.
“Há cura”.
Seus olhos pareciam duas bolas azuis de tão arregalados que ficaram. Sua boca secou, e seu coração disparou.
“Calma” Sussurrou o castanho. “Calma, Emily”.
Ela respirou fundo, enquanto ele lhe fazia carinhos nos cabelos. Conseguiu tomar o controle de novo. E nem fora preciso tomar algum remédio!
“Claro que você vai precisar completar dezesseis anos antes disso. Mas uma operação e tratamento podem te curar completamente.”
Ela sorriu. Verdadeiramente. Um sorriso que encheu seus olhos azuis, que mudou completamente sua feição. E James sentiu que mesmo canalhas como ele podiam ser agraciados com uma visão como aquele sorriso.
Os olhos dela piscaram devagar, sonolentos. Ele sorriu carinhosamente para a menina.
“Durma, Emily”
Ela sorriu levemente, e fechou os olhinhos, se entregando ao sono suavemente.
Ele levantou devagar, sem perturbá-la. Mas uma mão macia e gelada segurou sua mão esquerda, bronzeada, rústica e cheia de calos.
“Fica comigo” Murmurou ela, perdida num estado entre o sono e a realidade.
James sentiu o aperto suave dela. Sentou-se na cama de novo.
“Fico” Sussurrou suavemente, beijando sua testa e segurando sua mão entre as dele. “Enquanto você quiser”.


//Nota do Autor

Sei que ficou grande demais, prometo maneirar na próxima vez. A segunda parte será postada em breve, espero que gostem.
Meio inútil avisar só aqui no finalzinho, mas a minha parte pode ser classificada como “para maiores de quinze anos por menção sexual, violência e uso indevido de medicamento roubado”. Até o/

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Um Princípio Funesto

Primeiro veio o fogo. Annelise sentia o calor se alastrando pelo seu corpo enquanto lentamente as chamas destruíam tudo que lhe era familiar. As cadeiras estavam destruídas. Os vidros franceses da janela que sua mãe tanto insistia que polissem corretamente, estilhaçados. No chão, queimava um exemplar de Annie, a menina fantástica, que adorava quando criança por ter o mesmo nome que o seu. Numa estranha decisão, causada talvez pela irrealidade da situação, Annelise decidiu resgatar o livro das chamas. Ao longe, ouvia sua mãe chamando: “Annelise, não faça isso!”. Ela ficou irritada. Será que não podia fazer nada sem ouvi-la recamar?
De repente, a voz da sua mãe foi abafada por outras. Um grito distante ecoou por entre a fumaça. O livro não tinha mais importância. As chamas eram boas, aqueciam, mas aquele barulho estava tornando-se ensurdecedor. Várias vozes gritavam em uníssono, mas a menina não podia compreender o que diziam. Um estrondo. A porcelana da dinastia Ming estava em pedaços no chão. De um corredor, surgiram figuras encapuzadas. Elas ainda entoavam a mesma estranha “canção” de antes. A fumaça enchia a sala, mas além do cheiro habitual, havia um leve odor enjoativo que ela recordava das festas que sua mãe promovia. Charutos. Ouviu gritos, gemidos e apenas um tempo depois percebeu que vinham da sua garganta. Dor, e sua face repetida mil vezes no espelho quebrado na parede. Enfim, silêncio.

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O silêncio foi seguido por um bip. Era insistente, regular, e enchia o aposento. Ela não abriu os olhos imediatamente. Não queria que os homens encapuzados soubessem que acordara. Ela estava se perguntando o que seria aquele barulho. Uma vez conhecera um menino que havia lido centenas de livros, e que lembrava-se de todos eles. Ele certamente poderia dizer que tipo de máquina faz aquele barulho. Mas ela não via Klaus há muito tempo. Por fim, desistiu de manter os olhos fechados. Sua mãe condenaria a impaciência, mas havia algo que Julia Whitman não condenasse?
A luz encheu suas iris. O aposento era todo branco, e o cheiro de alvejante que penetrou suas narinas lhe indicou que estava num quarto de hospital. Era escassamente mobiliado. Em cima da mesa havia um solitário buquê de flores. No lado direito da cama, uma estranha máquina media sua freqüência cardíaca. É daí que vem o bip, percebeu. Pensou estar sozinha, mas numa segunda olhada percebeu uma figura sentada numa cadeira no canto esquerdo do quarto. Ele tinha os cabelos castanhos e encaracolados, e olhos da mesma cor. Esses olhos encaravam Annelise fixamente.
- Como está se sentindo? – perguntou o homem.
- Não sei. Estranha.
Andrew Rosembaun levantou-se e foi até a beira da cama da menina. Desde que podia se lembrar, ele era amigo da mãe de Annelise, e freqüentava sua casa. Fora ele quem lhe ensinara a arte da esgrima. Entretanto, isso não os fazia amigos. O jeito frio e sarcástico do homem, que a menina temia quando criança, passou a gerar mero desprezo. Ele era a ultima pessoa a quem esperava ver. Não, corrigiu-se, ele era a penúltima. O fato de seu pai não estar ali não era a menor surpresa.
- Há quanto tempo eu estou aqui?
- Dois dias – isso sim era uma surpresa.
- Tem certeza? Parece que faz tanto tempo...
- Você sumiu por três dias, Annelise. Foi encontrada num galpão abandonado perto do lago lacrimoso. Não se lembra?
- Não. Eu não me lembro de nada. Mas se eu estou aqui há três dias... Onde está a minha mãe?
Rosembaun torceu levemente a boca, e Annelise compreendeu que essa era uma pergunta que ele esperava que ela não fizesse.
- Ela está bem. Está viva, pelo menos – ele fez uma pausa antes de continuar. – Ela se feriu seriamente no incêndio. Os médicos disseram que podem curar totalmente o corpo, mas quanto à mente... Ela está em coma. Não se sabe quando vai acordar.
Agora Annelise entendia o porquê do comportamento estranho, quase gentil, que era novidade no relacionamento entre ela e Andrew. Ela sabia que a amizade dele com Julia era tão forte quanto a sua com Raphael, e que provavelmente ele estava triste e preocupado. Isso o redimiu por um momento.
- Meu pai já sabe? – a expressão de desprezo voltou ao rosto do homem.
- Já. Como se ele se importasse. Passou a semana toda ocupado aborrecendo a seguradora por causa de uns pratos Ming que nem eram...
Annelise deixou de ouvir naquele momento. A menção aos pratos lembrou-lhe subitamente da estante caindo no chão, e de uma massa de cabelos loiros com uma risada maléfica. Por um momento, deixou-se dominar, ainda que não transparecesse, pelo medo que sentia. O que acontecera naqueles três dias em que estivera sumida? Tinha uma leve consciência de que Rosembaun ainda falava mal de Anthony Whitman.
- Annelise? Você está bem? – Ele pôs a mão no tornozelo da menina, e a dor até então imaginária fez-se real. Ela afastou as cobertas e arregalou os olhos ao ver, envolto em uma pele fina que começava a sarar no tornozelo esquerdo, uma tatuagem em forma de olho.
- Como eu arrumei isso?
- Não sabemos. Já estava aí quando você foi encontrada – Andrew parecia pálido, também, e não tirava os olhos do desenho. Ele não tinha como saber que Annelise conhecia tão bem quanto ele o significado da figura. Mas ela tinha preocupações mais imediatas.
- Quando eu posso sair daqui? – Andrew pareceu sair de um transe.
- Se tudo estiver certo, amanhã mesmo o Sr. Montecchio virá lhe buscar.
- O Sr. Montecchio?
- É. Aparentemente, seu pai não achou que o seqüestro da filha fosse importante o bastante para adiar suas férias. Então Lionnel Montecchio se ofereceu para ficar com você, já que é amiga do filho dele – passar o verão com Raphael seria bom, mas esse estranho oferecimento do pai dele a deixara incomodada. Não era habitual. E nem tocarem fogo na sua casa, pensou outra parte do seu cérebro. Você só está paranóica demais.
- Está bem, então. Mas, Andrew, e quanto a...
Ele pareceu ler seus pensamentos.
- Não se preocupe, - disse. – Eu vou cuidar dela. E agora vou achar uma enfermeira para você.
Dizendo isso, ele foi embora, e Annelise voltou a pensar no que teria acontecido, amaldiçoando internamente sua memória, em geral excelente, por lhe negar essa informação. Ela não tinha como saber que a decisão do seu cérebro de esconder a verdade foi mais sensata que qualquer decisão consciente tomada em seus doze anos. Se ela fizesse a mais remota ideia do que acontecera, rezaria a um deus em que não acredita para que a apagasse de dentro de si.

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